MF Dirceu Viana entrevistando Anand
Maia, Marco Aurelio Ferreira (2115) – Viana , Dirceu (2286) Campeonato Estadual de Mestres – FEXERJ, 25.08.2012
Esta partida foi jogada na segunda rodada, quando os emparceiramentos começam a ficar perigosos. São aqueles adversários nos quais o rating lhe diz que você tem de ganhar se quiser aspirar algo no torneio. Ao mesmo tempo é quando se descobre, de fato, se o nível de seu xadrez estará merecedor de um prêmio.
1. d4Esperado… Cf6 …e inesperado. Decidi por este lance durante a partida. Foi-se o tempo das grandes preparações, do mito da novidade teórica. Já não almejo surpreender ninguém, apenas evito ser o lado surpreendido. Em geral, escolho aberturas que começam com 1…d5, mas de tanto fugir dos outos, tenho jogado mais o que não sei!
2. c4 e6 3. Cc3 Bb4 Temos uma abertura complicada, com um cardápio de estruturas centrais bem variado. Um bom início, eu imaginava…
4. Dc2Mas isso é um balde de água fria. Esta é a linha da segurança, da vantagem karpoviana, par de bispos e peões intactos. Ou seja, um drama para o adversário que quer dar dinamismo e buscar o ponto.
4… O-O O que fazer? Gastei um tempinho aqui para escolher um plano adequado à ocasião. De todas as linhas, a que começa com 4… c5 me parecia a mais interessante, não fosse o fato de eu não saber muito sobre ela. Após 5. dxc5 Ca6 6. a3 Bxc3+ 7. Dxc3 Cxc5 eu não tinha a menor noção de como desviar de linhas forçadas que nunca havia estudado. E se meu adversário conhecesse a teoria? Foi então que me ocorreu uma ideia mais arriscada e muito menos conhecida…
5. a3É o que o mundo faz sem pensar até o próximo campeão “descobrir” outra jogada e ditar a moda
5… Bxc3+ 6. Dxc3 b5!
Aí está a surpresa. A primeira vez que vi este lance foi ainda nos tempos do Informador. Deve ter duas décadas a última vez que estudei esta posição! As pretas sacrificam um peão em troca de atividade, qualquer atividade que seja!
7. cxb5 Após uns bons minutos de reflexão meu adversário ainda tentava entender o que havia de perigoso nesta oferenda.
7…c6! A ideia complementar. Rápido desenvolvimento é o tema do gambito. Se vale o sacrifício, é outra história…
8. bxc6 Após a partida, o MI Luís Rodi me disse que a “refutação” do livro seria 8. Bg5 cxb5 9 Df3 seguido de Bxf6 em momento oportuno. Pode ser, mas pode não ser, dizem os livros que consultei após a partida. De qualquer forma, todos os GMs confrontados com o gambito pela primeira vez encaçaparam o peão e optaram pela defesa.
8…Cxc6 9. Bg5?! Uma imprecisão importante, no meu entendimento. As brancas atrasam excessivamente a saída das peças da ala do Rei e comprometem a segurança do monarca. Já não estamos jogando uma Nimzoíndia tradicional e sim num meio-jogo no qual as pretas têm séria vantagem de desenvolvimento. O correto, a meu ver, seria o natural 9. e3 Bb7 10. Cf3 Tc8 etc. e o jogo seguiria complicado.
9… Bb7 10.Bxf6 Uma troca preventiva. O computador não acha ela necessária, mas também não a condena, pois a ideia de …Ce4 é sempre uma ameaça. Mas como bom humano, creio que a troca favorece às pretas, embora seja difícil criticar meu adversário.
10…Dxf6 A abertura foi um sucesso para as pretas. Todas as peças estão desenvolvidas e ainda há um tempo a ganhar sobre a Dama em c3. Como tal cenário foi possível tão rapidamente na mais sólida das variantes? Com um olhar menos formatado e sem o vício da consulta dos livros, temos de reconhecer que os lances 4, 5, 6, 7, 8 , 9 e 10 das brancas, alguns deles até chancelados pela teoria, pouco contribuíram para o desenvolvimento das peças. É uma sequência longa demais para ficar impune.
11. e3 Tac8 12. Dd2 Estrategicamente para mim estava claro. As pretas terão vantagem decisiva se conseguirem abrir o jogo. Há um otimismo exagerado nesta avaliação, mas as brancas vão ter de se defender muito bem para sobreviver. Ao menos a compensação é clara.
12… e5! 13. d5 Ce7 14. e4 Dg6 15. f3
Mal considerei a linha 15. Db4 que ganha uma peça. Mas seria possível jogar assim, sem desenvolver nada? A princípio, o computador diz que sim, mas é preciso suspeitar. As linhas indicadas são: 15…Tc2 16. h4 (lance da máquina que vai contra tudo o que aprendi! Se 16. Dxe7 Dxe4+ ou se 16. Dxb7 Dxe4+ a vantagem preta é decisiva em qualquer captura.) 16… Bxd5 (Eu teria jogado sem pensar 16…Tfc8!) 17. exd5 Cxd5 18. Db7 Df5 19. Dxd5 Dxf2+ 20. Rd1 Td2+ 21. Dxd2 Dxf1+ 22. De1 Dd3+ 23. Dd2 Df1+ com empate. Não levem esta linha a sério.
15… f5 Abrir o jogo é o lema das pretas…
16. Bd3 fxe4 17. fxe4 Ba6!
Uma jogada que gosto. A ideia de trocar peças não é interessante quando se está de peão a menos, mas a de trocar o principal defensor adversário é sempre necessária. Lances simples são os mais difíceis de achar.
18. Bxa6 Dxa6 19. Ce2
Se 19. Cf3 Cg6 é avassalador. O resultado é que as brancas não conseguem guardar o Rei em lado algum.
19… Cg6
Até o momento, os jogadores conduziram suas peças de maneira digna. Eu estava otimista com a iniciativa, mas também desconfiado. Nenhuma variante concreta apontava a vitória e me perguntava se meu adversário teria cometido algum erro decisivo. Xadrez é também um jogo, portanto em algum momento um dos lados iria sucumbir. Defender, pensava, é muito mais árduo.
20. Cc3?
A melhor defesa seria evitar a entrada do cavalo com 20. g3!, mas calcular como cobrir todas as entradas é tarefa difícl. Pensava dobrar na coluna “f” com um 20…Tf3. Outra linha poderia ser 20…Da4 21. Dd3 (e não 21. Nc3 Txc3 ganhando) 21… Tb8 22. Cc3 Db3 23. Tb1 Db6 24. Tf1 Txf1+ 25. Rxf1 Tf8+ 26. Rg2 Tf2+ 27. Rh1 Txb2 28. Txb2 Dxb2 quando o material é igual mas pior já passou para as brancas. Outra opção segura que imaginava na partida seria jogar um final com uma Torre na sétima. No lugar de 21…Tb8 pensava em 21…Dc2 22. Dxc2 Txc2 23. b4 quando a compensação segue firme neste final, mas o rei branco já não corre os mesmos riscos.
20…Cf4agora sim, a vantagem por ataque é decisiva.
21. Td1 Obviamente não 21. O-O-O Ce2+
21… Tf6 22. a4 Na falta do que fazer…
22…Tcf8 23. b3 Ch3
23…Db6 ou 23… Da5 também ganhavam
Comentários do MF Dirceu Viana.